Assim o escritor Paulo Mendes Campos definiu, sucintamente, o automóvel: "O dono do homem". Naturalmente, meninas, ele quis dizer "dono do ser humano em geral". E ele só se esqueceu do outro dono do ser humano, que é o ser canino. E quando estes dois donos se juntam, aí é bom demais. Afinal, quem não gosta de passear de carro com bom trânsito e boa companhia?
Se esta boa companhia incluir - ou se resumir a - nosso querido canino, também é muito bom. Mas... sabe aqueles filmes e videoclipes onde o carro passa rápido com o cão quase saindo pela janela para apreciar e ser apreciado ou indo todo pimpão no colo do(a) motorista? São belos filmes e videoclipes, mas aqui na vida real, para que o passeio de carro com o cão seja seguro e prazeroso para todos os envolvidos, é preciso atenção e cuidados especiais. Mas nada tão complicado quanto a produção desses filmes e videoclipes.
Para começar, lembremos: passear de carro é bom, mas ficar preso nele em trânsito e chuva, nem tanto, não é? Agora, imagine a primeira viagem automobilística de um cão, que de repente é apanhado, colocado num quartinho bem pequeno e apertado que ainda por cima se move, balança, acelera e pára sem avisar. É preciso fazer com que o cão associe carro a prazer, não a tortura, obrigações, castigo ou mudanças muito bruscas ou traumáticas.
A primeira viagem de carro do cão pode ser um tanto assustadora por ser uma novidade muito grande, quando ele é levado para seu lar após ele ser comprado ou encontrado na rua. Pode acontecer de o cão ser criado como "pedestre" e andar de carro muito raramente, para atividades não muito prazerosas como tomar vacinas ou retirar pontos de cirurgia, ou ele dar muito azar e numa de suas raras viagens de automóvel passar mal devido a fatores como calor ou movimentação demais.
Resultado: o canino associa automóvel a sofrimento, resiste a ser colocado nele, e nem pensa em entrar espontaneamente. Mal sabe ele que, com um pouco de determinação e paciência do dono, pode perder o medo de automóvel e até virar um Zé ou Maria Gasolina em versão canina. Pois bem, vamos dar a partida.
Curso de "au-auto-escola"
A primeira lição não vai para o canino, e sim para o dono. Se o cão demonstrar medo de automóvel, nada de tentar acalmá-lo com paparicos do tipo "ah, meu queridinho, está com medinho de passear de carrinho?" O bicho tende a interpretar essa atitude não como incentivo para entrar no carro, e sim como recompensa por demonstrar medo.
O especialista inglês em comportamento animal David Appleby tem uma dica interessante: o treinamento para o cão vencer a fobia de automóvel pode começar com o carro parado. "Comece abrindo as duas portas de trás de modo que, para o cão, o carro pareça um túnel", diz Appleby. "Com o cão numa coleira, entre no carro e não olhe para trás; vai chegar uma hora em que a coleira se estica porque o cão se recusa a se mexer. Mantenha, porém, a tensão na coleira, puxando de leve, ou seja, não forte demais a ponto de arrastar o cão, e mantenha silêncio total. Como resultado de teu esforço para sair do carro pelo outro lado, o cão vai acabar tendo de entrar. Quando ele entrar, continue seguindo em frente, mas demonstre que está sentindo muito prazer e satisfação. Quando você sair do carro o cão vai te seguir. Dê a volta para o lado por onde você entrou e repita tudo de novo e de novo.
Aos poucos o cão vai ficando tão excitado com este novo jogo que logo vai começar a pular dentro do carro antes de você - então você poderá dar intervalos mais e mais longos, sentando no banco de trás e sempre demonstrando alegria. Se o carro for grande, abaixe o banco de trás, abra a porta do bagageiro e mude o jogo para entrar pelo lado do carro e sair por trás - e vice-versa, transferindo os períodos de descanso para o bagageiro."
A próxima "lição" consiste em trajetos curtos (no máximo dez minutos de carro) a lugares que o cão goste de frequentar, como parques, praças e pet shops, bem como viagens de volta à casa direto para a comida. Isso mesmo: passeios breves que terminam em lugares ou atividades de que o cão gosta, para que ele associe carro a coisa boa. (Ajuda ter mais pessoas no carro, para acalmar e alegrar o bicho na ida e na volta.).
Se o veículo tiver espaço especial para o cão, como bagageiro ou divisória para cães instalada no banco, comece a alimentar o cão neste local com o veículo parado. Logo que o bicho se acostumar, passe a lhe dar comida no carro após viagens curtas. Vá aumentando os trajetos aos poucos, e logo o peludo vai gostar de andar de carro mais do que você. (Cuidado então com o problema oposto! Isso mesmo, o cão pode ficar excitado demais cada vez que for passear de carro. Mas é bem mais fácil de resolver.)
Saúde é o que interessa
Pode acontecer de, durante a viagem, o cão ter náuseas que não sejam de fundo nervoso e sim devido à movimentação do carro. Isso pode se resolver com tratamento médico; normalmente, basta dar ao cão Dramin, o mesmo remédio usado por humanos com o mesmo problema - mas antes de correr para farmácia vá ao veterinário! (Isso você acabou de aprender como fazer logo acima).
O tratamento inclui não somente a medicação necessária, mas também vários passeios de carro seguidos, para o cão associar carro ao prazer da boa saúde. Aproveite para colocar em dia as vacinas do bicho, especialmente se vocês estiverem indo viajar. É bom para o cão viajar logo após comer? Isso, também como ocorre com os humanos, varia de um cão para outro. Alguns cães viajam melhor de barriga vazia (cerca de sete horas após uma refeição), pois ficam menos propensos a vomitar e, se isto acontecer, fazem menos sujeira (mas podem tomar água à vontade). Outros se sentem mais tranquilos e ficam menos enjoados com uma refeição leve antes de irem para a estrada. Observe também como o bicho se comporta durante viagens longas: uns dormem a maior parte do tempo, outros ficam mais inquietos - então é bom dar uma paradinha, mais ou menos a cada hora e meia, para vocês todos esticarem pernas e patas.
E o mesmo conselho para crianças vale para cães: nem pense em deixá-los sozinhos no automóvel, nem que seja "só por dez minutinhos". Calor e umidade são terríveis e podem ser até fatais. Se para pessoas, que têm poros à vontade por onde "suar em bicas", já é difícil agüentar dias muito quentes, imagine o incômodo - e o risco - para nossos amigos peludos, que só conseguem transpirar pela região em volta das patas e pela boca. E em tempo frio o bicho correria até o risco de morrer enregelado se esquecido no automóvel. Sem falar, claro, no desprazer de se ficar trancado num lugar fechado e pequeno. E durante a viagem é bom abrir a janela do carro para deixar entrar ar fresco, mas não abrir tanto que o cão possa escapar muito para fora - o risco não é só de ele atingir ou ser atingido por algo, mas também de contrair infecções de ouvido e aparelho respiratório devido à friagem.
Preparando-se para o passeio
Como diria o filósofo Cão Marques, a cada um segundo sua necessidade, inclusive nos passeios e viagens de automóvel. Para os adultos, cinto de segurança; para crianças pequenas, cadeirinha; e para os cães, cintos ou cadeiras, acessórios (divisórias, brinquedos, comida, sacos plásticos) e, se for o caso, transporte (aquelas maletas especiais para levar bichos).
O transporte é útil não só para evitar que o bicho saia pulando pelo carro e protegê-lo contra acidentes, mas também para ele se sentir mais confortável e "em casa" junto a um objeto que já conhece. Se você preferir deixar o cão solto (havendo espaço para isso no veículo), serão necessárias divisórias de metal, para delimitar o espaço do bicho no banco de trás ou bagageiro de modo que ele possa se mexer um pouco sem atrapalhar o motorista. Na pior das hipóteses, o "equipamento" pode ser outra pessoa, como costuma proceder a webmaster Maria Adela Basualdo: "Quando levar o cão de carro é inevitável, um vai dirigindo e o outro vai segurando o cão no banco de trás."
Não há problema em levar o companheiro canino no banco dianteiro - desde que seguro com cinto ou em sua caixinha. Note que eu disse "banco dianteiro": nada de levá-lo no colo enquanto dirige! E o cão tem de ficar preso; por mais bem educado e acostumado a passear de carro, ele pode se assustar ou se machucar caso o carro precise brecar, virar ou até bater de repente caso seja fechado por outro veículo (nem todo mundo é tão bom motorista ou dono de cão quanto você).
De qualquer modo, é aconselhável que o dono possa fazer carinho no cão, ao menos de vez em quando, durante a viagem e que, se possível, o cão possa olhar a paisagem pela janela.
Para cães viajandões
No caso de viagens longas, capriche na bagagem. Para começar, um bom estoque do tipo de ração ao qual o cão está acostumado ou que é o mais indicado para ele, pois é exigir demais de Dona Sorte esperar encontrá-lo em qualquer pet shop, posto de estrada ou loja de outra cidade, e o cão pode não gostar de comida diferente da habitual em ambiente idem, estando então sujeito a vômitos, desconfortos e desarranjos.
Leve também muita água potável; alguns cães bebem direto de garrafas, mas leve e deixe no carro o pratinho dele. É claro que você nem pensou em esquecer coleira, pazinha e sacos plásticos, medicamentos que ele acaso estiver tomando e kit de primeiros socorros. Muito menos de alegrar seu crianção canino com as coisas às que ele está habituado, como brinquedos, ossos, cobertor.
Convém levar também a carteira de vacinação do bicho. E, mais que conveniente, ela é necessária para transportar animais de um Estado a outro. Foi o caso da dona de casa Waléria Tonso Larizatti, ao se mudar de São Paulo para Brasília e precisar levar no automóvel Lua, sua bela companheira Cocker. "O animal precisa passar pelo veterinário para ser vacinado e pegar uma autorização escrita informando que está saudável", lembra Waléria. "E é aconselhável sedar o animal para viagens longas". E assim foi feito, com Lua semiadormecida. "Só paramos de vez em quando para ela fazer xixi."
Se o cão realmente se revelar ótimo viajante, lembrarei uma sugestão do especialista estadunidense em cães Maurice Aguirre: equipar o chão do carro com tapetes de borracha e os assentos com capas impermeáveis, acessórios fáceis de encontrar em lojas de produtos para automóveis.
Mais um detalhe: caso você pretenda ficar em hotel ou pousada, verifique antes se aceitam hóspedes ainda mais peludos (e charmosos!) que Tony Ramos - e com certeza você encontrará bons locais que aceitem.
Pois bem, só me restaram duas palavras (ou melhor, cinco) a dizer: bom passeio - e boa viagem!
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